CAPITAL ANTIGO E MODERNO: vale uma prosa
Ir.Cidlene Castro de Souza[1]
Dia desses, visitei um projeto social de uma Comunidade de Vida, em Belo Horizonte - MG. Lá, entre tantas coisas bonitas e interessantes, vi uma ideia de cerca bem diferente para os padrões que conhecemos. Em meio a uma arquitetura elegante, harmônica, moderna, clara, linda, uma rústica cerca de madeira reaproveitada, fortalecida internamente e com alicerces. Inovador e lindo - dissemos os visitantes.
Tal paisagem, bela e inspiradora, me fez contemplar a simplicidade e reforçou um pensamento que venho alargando ao longo de alguns meses. Parece-me que por causa da situação em que vive a atual sociedade, a tendência é retomar alguns aspectos de antigamente, quando nossa humanidade era mais simples e politicamente correta: caçávamos o suficiente para a alimentação; cultivávamos para a subsistência; não represávamos as nascentes; trocávamos ou doávamos o excelente; ouvíamos os mais velhos e educávamos as crianças; fazíamos exercícios físicos trabalhando, brincando de pular corda, macaca (sem ter que ir a academia); não usávamos sacolas plásticas, a feira era transportada em saco de algodão puro e o pão era embrulhado no papel; nosso açúcar era escuro, o arroz era integral, e etc.
Se esta tendência for consolidada vamos poder admitir que ser chique e moderno também será optar pelo rústico e ecologicamente correto. É como viver com alguns costumes de antigamente, mas ser moderno e aceito hoje.
Não sei direito como seremos e ainda não entendi bem essa tendência da vida moderna. Mas é certo que não se pode deixar de mencionar o invisível da questão: coisa rústica e simples só fica bonito na casa de ricos. Não é verdade? Em casa de pobre “dá dó” ver uma mesa redonda feita de carretel de fio elétrico ou outra que aproveite o antigo pé de máquina de costura (substituída pela elétrica), e ainda um tronco de árvore que sirva de assento (os antigos tamboretes). Outro exemplo conclusivo da situação: uma casa construída de madeira ou de barro, para ser chique e moderna, vai depender se está em área nobre ou miserável, se é habitada por ricos ou pobres, brancos ou negros.
Saiu na mídia recente: ser moderno é andar a pé e/ou de bicicleta. Que bom! Mas justo agora que os pobres conseguiram financiar em quatro ou mais anos seus sonhos automotivos? O certo é que, como aumentou o número dos que têm carro os ricos ficaram sem espaço de circular com seus modelos inafiançáveis às classes populares, e como os patrões não vão encarar o “busão lotado”, tornaram moda o acessível e ainda pousaram de responsáveis ambiental.
Entendeu? É coisa do sistema, ele se refaz nesses detalhes invisíveis, lucra e acumula riquezas com a moda do ecologicamente correto. Mas na atual situação é confuso resistir. O certo é que se esta tendência se consolida vai ser considerado bom para todos nós, para o meio ambiente e para o capital.
E quem é avesso ao sistema precisa admitir uma fragilidade: há muito perdemos a autenticidade. Enquanto o capital mesmo antigo é moderno, nossas tradições se esvaeceram com as crises da humanidade. Nossas ligações com os antigos costumes e valores estão fragilizadas, viraram como que objetos de época, usados em exposição de museus e casa de colecionadores. Como fazer se raramente ouvimos a sabedoria das tradições? A educação está a cargo das instituições do mercado ou do estado; os filhos modernos não ouvem os pais, às vezes twitam, ou coisa similar.
Então, com a tendência é provável que, para voltar a desenvolver esses bons antigos gostos, costumes e hábitos o capital vai cobrar caro e até financiar com juros, se for o caso. Pode? O sistema pode muito e conta com a fragilidade de sermos influenciáveis, afinal, já nos educou a isso e é de comercial que vive os artistas famosos e globais.
Como boicotar? Acho que não há saída e este nem é o caso desta reflexão. Mas, se vamos pagar caro, bem que poderíamos tornar imperecível esta tendência. Fazendo que ela se torne cultura e não moda! Entretanto, para se tornar cultura é preciso autenticidade com a qual mudamos o comportamento por compromisso com a causa, entendendo a atual situação social e humana. Penso, então que o desafio seja a autenticidade.
Mas voltando ao início: a cerca de madeira reaproveitada é bonita. Todos que vão lá ficam maravilhados, como eu. Lembrei a cerca do sítio da vovó no Santo Amaro, interior do Pará, a qual separava o galinheiro do casebre e das plantas... Ah, se a tradição não fosse só lembrança em mim, agora não pagaria tão caro por esta “novidade”!
E como nos tornaremos autênticos? Bem, se ainda não for possível em nós, que tal cultivarmos com nossas crianças? Mas isso também vale uma prosa.